1984
autor - George Orwell
gênero - romance/ficção/distopia
416 páginas
editora Companhia das Letras
O livro conta a história da sociedade em Oceânia no
ano de 1984, vista pela perspectiva do personagem de Winston Smith. Como o
próprio personagem deixa claro em muitas passagens do livro, o ano é incerto,
podendo ou não a história se passar em 1984.
Na história, há raros momentos que mostram a vida
pessoal do personagem, sendo que tudo o que aconteceu com ele é consequência do
governo, assim como a vida de todas as pessoas que vivem no período passado na
historia. O pouco que sabemos sobre ele é que se trata de um homem de meia
idade, de aproximadamente 39 anos, que vive sozinho em seu apartamento e tem
uma vida bastante comum, com rotina não muito diferente da vida dos demais. Em
alguns momentos do livro, ele relata sobre sua esposa, desaparecida a cerca de
quinze anos e sua mãe que provavelmente também foi levada junto com sua irmã
recém-nascida quando Winston ainda era criança. Em nenhum momento seu pai é
citado e ele mantém uma relação de indiferença com seus colegas de trabalho e o
desenvolvimento da trama se dá após ele iniciar um relacionamento com sua
colega de trabalho Julia.
Na verdade, o inicio da trama se dá não só quando
ele conhece Júlia, mas desde a primeira página, quando ele começa um ato
rebelde: escrever um diário. Estas duas coisas são altamente proibidas,
passíveis até mesmo de morte. Com o tempo, podemos perceber que há coisas
piores do que a morte, e estas coisas estão em poder do Partido, comandado pelo
“Grande Irmão”.
Desde o inicio, percebemos que se trata de uma obra
de alto teor politico, não um simples romance. Uma distopia que não há um
resquício de esperança ou final feliz. Por sorte, se o livro fosse algo
profético, nada do que estava descrito na obra aconteceu de verdade. Ao mesmo
tempo, muitas das coisas descritas no livro inspiraram muitas coisas que vem
acontecendo na sociedade atualmente, como o sistema de espionagem, o culto a
sociedade de consumo, o “panem et circus”, como o programa estilo reality show
BIG BROTHER.
O
MUNDO NO PÓS-GUERRA CONSTANTE.
A sociedade de 1984 vive em constante guerra com os
países vizinhos, Eurásia e Lestásia, e o governo mascara os resultados, para
que a Oceânia pareça sempre em vantagem, mas a verdade é que eles vivem em
regime de pós-guerra, com qualidade de vida péssima e pouquíssimas provisões
que devem ser divididas com uma família inteira ou mais. A sociedade vivia em
constante miséria, situação muito parecida com os países da Europa no período
pós Primeira e Segunda Guerra Mundial. A vida era péssima e a população não via
a menor esperança, ou melhor, a população sempre era forçada a acreditar que o
que estava diante de seus olhos era a vida dos sonhos de qualquer um, até
porque não havia outra vida a que comparar, pois o governo apagava qualquer
vestígio de que houve algum passado diferente daquele presente momento. A
população não tinha qualquer contato com o mundo fora de Oceânia, eles
acreditavam que todo e qualquer estrangeiro era um vilão que veio tomar o que
nós temos e arruinar nossas vidas, e estes mantém as mesmas ideias sobre nós. A
sociedade se dizia socialista, mas não praticava os ideais do socialismo. A
politica da tortura é muito semelhante as ideias espalhadas no período entre
guerras, sendo que o Partido julga a si mesmo e ao Grande Irmão como seres
superiores e mais inteligentes do que qualquer um que governou estas terras no
passado.
SEMELHANÇAS
COM O NOSSO MUNDO E O NOSSO GOVERNO.
O livro se torna bastante cansativo por vários
motivos, mas com certeza o principal motivo é se basear na nossa realidade, no
regime politico outrora conhecido por comunismo, e o a figura do Grande Irmão
nos lembra bastante o líder politico Stálin e seu nêmesis, no livro
representado como o senhor Goldstein poderia ser muito bem o Trotsky. Uma
expressão comumente usada, “o Grande Irmão está de olho em você”, representa o
sistema de constante vigilância imposta por vários governos como um modo de
prevenção aos ataques inimigos. Nos Estados Unidos, o sistema foi aplicado com
maior força em 2011, logo após os ataques terroristas de 11 de setembro. A
partir dai todos os nossos movimentos eram vigiados e controlados pelas câmeras
do governo. A privacidade já não existia mais e aumentaram cada vez mais o
sistema de segurança contra qualquer estrangeiro que tentasse entrar no país,
independente de suas entradas serem ilegais ou não.
AS
ORIGENS DO DUPLIPENSAMENTO
O termo “duplipensamento” aparece demais no livro, e
sua definição é basicamente dois pensamentos contrários que coexistem ao mesmo
tempo. Hoje em dia, isso é muito utilizado em debates políticos e filosóficos,
fazendo o indivíduo criar seu próprio conceito de cada coisa e implantar a
ideia de que não existe uma verdade absoluta, mas várias verdades, de acordo
com o que cada um acredita. O lema do governo é o que melhor exemplifica essa
ideia:
Liberdade é escravidão!
Guerra é paz!
Ignorância é força!
Esta ideia de governo cria pessoas alienadas, que
acreditam em tudo o que o governo diz e faz como sendo o melhor para todos nós,
e em determinado momento do livro, um dos líderes do partido cita que a
população prefere acreditar que é melhor serem felizes do que serem livres, de
que a escravidão imposta a eles é um exemplo de liberdade, que eles usam da
força para proclamar sua esperteza, sua superioridade, mas no fundo eles se
autoproclamam ignorantes por acharem que estão reivindicando sua liberdade com
violência, algo muito parecido com o que costumamos ver no período entre
guerras, e que, de acordo com o que eles acreditam, as guerras e os meios de se
prepararem para elas são uma forma de algum dia conseguirmos alcançar a paz,
pois eles pregam a politica do “que vença o melhor”, com bombas com capacidade
de destruir metade do planeta caso um ou outro atacasse primeiro, como uma
maneira de “revidar” aos ataques do inimigos.
NÃO
EXISTEM RELAÇÕES INTERPESSOAIS E AMOROSAS.
Na sociedade de 1984, o casamento existe com o único
propósito de procriação, ou como eles denominam, o “dever com o partido”.
Existe uma lavagem cerebral que induz aos casais a não sentirem prazer, e as
crianças que nascem desde cedo são enviadas a escolas de treinamento especial
para se tornarem vigilantes dos próprios pais, como uma nova geração da policia
das ideias, que são os vigilantes do pensamento-crime. As mulheres participam
da Liga Juvenil Anti-Sexo, não existem produtos que aumentem o desejo dos
homens para elas: vestidos, perfumes, maquiagem ou mesmo lingerie são artigos
considerados proibidos para consumo. As relações interpessoais, geralmente
acontecem nos intervalos do trabalho, no refeitório. Um raro momento em que
eles podem conversar sobre assuntos banais. As pessoas não podem se aproximar,
falar baixo ou mesmo visitarem umas as outras em suas casas, mesmo que para
assuntos de trabalho. Para que o governo do Grande Irmão funcione, as pessoas
precisam ser “robotizadas”, não ter nenhum tipo se sentimento, embora o governo
incite o povo a chamarem a si mesmos de camaradas.
MINISTÉRIOS,
OU O PARTIDO EXTERNO.
Outro exemplo
claro de duplipensamento são os ministérios que imperam o governo do Grande
Irmão, o Socing. Não existe religião na Oceânia, o Deus deles é o Grande Irmão,
e os ministérios são ideias contrárias aos seus significados. O Ministério da
Verdade conta mentira e altera os fatos para as pessoas. Eles cuidavam
basicamente do entretenimento, da educação, belas-artes e noticias em geral. O
Ministério do Amor trabalha com tortura, e o seu Departamento mais assustador é
a sala 101, a qual, segundo o O’Brien, é a sala em que estão guardados todos os
seus medos. Dentre todos, o mais assustador era o Ministério do Amor. Quase
ninguém conseguia se aproximar, era tudo cercado com arame farpado e sem
janelas. O Ministério da Pujança trata questões econômicas e o Ministério da
Paz cabia a guerra, a qual eles utilizavam para manter a ordem e a lei. Era no
Ministério da Verdade que tinha o Departamento de ficção, responsável por
modificar o conteúdo artístico de tempos anteriores ao da história. Os livros
escritos eram totalmente modificados, as canções reescritas e os originais eram
descartados, não deixando para trás nenhuma prova de que algo diferente existiu
antes. Tudo era refeito por máquinas, os humanos não tinham nenhum controle do
que seria reescrito.
O
NÚCLEO DO PARTIDO, OU O PARTIDO INTERNO.
Apesar das ideias antissemitas propostas no livro, o
núcleo do partido era composto por todos os tipos de pessoas, não havia
preconceito no alto escalão do governo. Havia judeus, asiáticos, negros,
brancos, entre outros compartilhando os grandes poderes do partido, que via a
todos como iguais. Havia uma falsa ideia de igualdade social, onde não havia
distinção de raças, nem de classe econômica, embora o nível econômico do Núcleo
do partido fosse de padrão bem mais alto do que o partido externo.
OS
PROLETAS
Havia ainda uma terceira e última classe de pessoas,
os proletas. O governo os deixava de fora porque eles não eram considerados
como seres humanos como o restante de nós. Eram como a classe trabalhadora,
viviam na periferia, à margem de todas as leis do partido. Em vários momentos,
Winston Smith observa que, se houvesse esperança, ela estaria nos proletas. Por
ser uma população maior, em teoria, seria muito mais fácil eles se juntarem e
montarem uma revolução contra o governo, de forma a derrubá-lo. O único
problema é que, na medida em que os proletas estão em número maior, o governo
usa de seus artifícios para acuarem-lhes, de forma a deixarem eles alienados a
ponto de se sentirem incapazes de lutar contra o governo.
O
NOVO IDIOMA: NOVAFALA.
Outra forma do governo se firmar na mente das
pessoas era ciando um novo idioma para abolir totalmente toda a ideia de
liberdade, amor e outras coisas que o governo tentava abolir. De acordo com
eles, se as palavras não existissem, não haveria como eles atribuírem um
significado para algo que eles não conhecessem. O dicionário era sempre
atualizado de forma a que o número de palavras se reduzisse cada vez mais. Era
mais um meio de opressão do governo, que além de pregar uma imagem negativa dos
estrangeiros (dois minutos de ódio), nos proibia de pensar até mesmo de forma
involuntária (pensamento-crime e policia das ideias) e ainda por cima vigiava
todos os nossos movimentos através de uma tela que não pode ser desligada de
maneira alguma, na qual o governo observa em todos os momentos todos os passos
e até pensamentos das pessoas. Daí surgiu a expressão “o Grande Irmão está de
olho em você!”, pois o governo observa nossos movimentos pela teletela.
APRESENTANDO
OS OUTROS PERSONAGENS CENTRAIS: JULIA E O’BRIEN.
O personagem de O’Brien era uma espécie de
representação física das ideias do Grande Irmão. Manipulador e engenhoso, em
determinado momento chega a agir como se fosse do lado dos “mocinhos”, fingindo
disposição a ajudar na derrubada do governo para depois jogar contra Winston
toda a perfeição do governo e o que eles fazem com as pessoas. Ele acreditava
em tudo o que lhe convinha e era mestre em se fazer acreditar. Suas ideias de
manipulação cerebral iam muito além da tortura. Ele tem a capacidade de entrar
na cabeça das pessoas e sugar a sua alma. Antes de matar, ele faz com que as
pessoas se arrependam no último momento e aprendam a amar o Grande Irmão,
agradecendo por todos os meios de tortura que lhes foram impostos. De certa
forma, ele é controlado pelas ideias do governo como se fosse um robô, e faz o
mesmo com todos aqueles que são presos e torturados. Em certo momento, há a
dúvida se ele realmente seria o vilão da história, justamente porque ele
acreditava estar fazendo o certo, ele achava que estava combatendo o mal. Do
ponto de vista dele, Winston é a pessoa má que está arruinando todo o governo
que ele lutou para construir e, portanto, ele tinha que eliminar o mal
plantando o bem em Winston, tentar fazer com que Winston veja a bondade no
Grande Irmão. Como Winston não podia ver como o Grande Irmão era bom para todos
nós, que o mundo se tornou um lugar melhor desde que o Grande Irmão começou a
governar?
Já Julia era praticamente uma adolescente que
conseguiu viver tempo demais se desviando do governo, ou como ela mesma costuma
dizer “sou boa em me manter viva”. De acordo com ela, para desrespeitar as
regras do governo era preciso manter as aparências, de modo que ninguém
suspeitasse que você estaria fazendo algo errado. Ela dividia um apartamento
com várias outras mulheres e conhecia os melhores esconderijos para encontrar
vários homens e se divertir. Ninguém nunca desconfiaria dela justamente por ela
ser membro entusiasmado da Liga Juvenil Anti-Sexo e declarar toda a sua
adoração ao Grande Irmão e ódio ao Goldstein. De inicio, Winston sente raiva
dela, justamente para disfarçar o grande desejo que sentia e pelo fato de que
nunca a teria em seus braços. A personagem dela não é muito consistente, de
modo que serve apenas para contrabalancear o temperamento de Winston. Ele é um
homem preocupado, que vive com medo de ser pego pela Policia das Ideias, velho,
doente e cheio de problemas. Somente a partir do momento em que a conhece ele
decide tomar coragem de fazer algo. As ideias estavam em sua cabeça, mas nunca
foram sequer ditas antes de ele conhecê-la. Ela é jovem, bonita, cheia de
energia, totalmente despreocupada e não está nem ai para o governo ou o Grande
Irmão, sempre teve o cuidado de se manter longe de problemas e acreditava em
seus sentimentos mais do que em qualquer outra coisa. Enquanto Winston pensava
que eles seriam mortos, ou melhor, que já estavam mortos, ela pensava que, por
mais que eles fossem torturados, nunca poderiam extrair a humanidade deles,
ninguém conseguiria extrair deles o amor ou a consciência de quem são e do que
querem. No entanto, o governo realmente é capaz de fazer o inimaginável:
fazê-los traírem a si mesmos e manipularem as suas mentes a acreditarem no
poder do Grande Irmão. No final, quando eles se reencontram, já não há nenhum
sentimento entre eles nem com eles. Não que eles não sentissem nada um pelo
outro, mas sim pelo fato de eles já não terem mais consciência ou capacidade de
pensar ou sentir nada, ou seja, o governo os deixou vazios e inumanos.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS:
O
QUE FEZ 1984 SE TORNAR UM CLÁSSICO
Caso a minha experiência em ler o livro e entender o
contexto histórico não tenha sido suficiente, resolvi deixar para o fim
refletir sobre o que o livro fala.
Para um melhor entendimento do conteúdo, organizei
em tópicos as partes mais importantes, o conteúdo que define a ideia central do
livro. Trata-se de uma distopia feita à moda antiga, do tipo que não termina em
final feliz. Nunca foi essa a intenção de George Orwell. A ideia era uma
critica ao governo da época em que fora escrito, por volta de 1949, um ano
antes da morte do autor por tuberculose. Ele presenciou duas guerras e a
decadência que se originava delas. Como as pessoas tentavam sobreviver em meio
à miséria, a fome e ao desemprego. A corrida armamentista e a crescente
indústria da tecnologia nos dava uma perspectiva ruim em relação ao futuro. O
livro não se trata de uma profecia, pois ainda estamos longe de tal futuro. Ele
não foi primeiro nem será o último autor a retratar um futuro de terror imposto
principalmente pelo governo, pois é na mão do governo que está o destino da
maioria da população, e é justamente pela população que eles chegam ao poder.
De certa forma, serve para conscientizar a mente das pessoas na hora de decidir
quem colocar no poder, caso a escolha seja ruim, as consequências seriam
desastrosas. Pode não ser tão ruim quanto o livro, mas ruim o suficiente para
sofrerem e se arrepender por isso. Apesar de ser uma leitura bastante cansativa
justamente por não ter história e os personagens não desenvolverem um conteúdo
além da própria figura do Grande Irmão, fica um pouco mais fácil quando
associamos com algo que mexe com nossa cabeça. O assunto é pertinente desde que
foi lançado e ainda se falará do livro por muitas décadas, pois se trata de um
assunto atemporal, que será discutido enquanto a sociedade for humana e tiver a
capacidade de refletir sobre o assunto. Até lá, o livro influenciará muitas
outras obras atuais, desde livros, series de tevê, quadrinhos e filmes, e até
mesmo o reality show Big Brother (qualquer semelhança não é nenhuma
coincidência).