sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Como Criar Um "Era Uma Vez..."

    Era uma vez uma garota.
    Era uma vez uma garota sentada nos degraus de um coreto branco florido. Ela carregava no colo um caderno e uma lapiseira, que ela apenas batia furiosamente a base da lapiseira na ponta do caderno, impaciente, e depois arrancava uma folha fora, e assim sucessivamente. Ao seu lado já havia uma pilha de folhas de papel amassadas. Seu vestido estava repleto de pó de borracha e o cabelo preso estava começando a soltar as pontas esfiapadas. Seus óculos escorregavam à ponte do nariz quando tentava pensar em algo útil para escrever, mas seus escritos não passavam de frases ou parágrafos sem nenhuma continuidade ou sentido. Ela era o retrato vivo do desespero de uma aspirante a escritora em pleno bloqueio criativo.
    Sua bicicleta estava encostada no poste ao lado do coreto. Levantou-se para aliviar a cãibra nas pernas e costas e foi colocar suas bolas de papel amassado dentro da cestinha da bicicleta, mas estava tão inquieta que não conseguiu sentar-se novamente, ao invés disso, deu voltas dentro do coreto, batendo as mãos na cabeça de leve, sempre que tentava pensar em algo.
    Seus sapatos faziam barulho no piso de madeira do coreto, e os cachos de seus cabelos aos poucos iam se soltando com as voltas e zigue-zagues de seus pés.
    Tentou colocar coisas em sua cabeça, mas pensava apenas no prazo a cumprir pela entrega do texto. Resolveu então tentar o básico: o que sabia de si, dizendo em voz alta:
    "Meu nome é Alice Haley, tenho dezessete anos e moro em Sullivan Place com minha mãe e meu irmão. Estudo em Summer High, onde também estagio no jornal da escola, entregando textos de romance. Hoje é vinte e oito de setembro de dois mil e treze e eu estou em um coreto de primavera que está aqui há três séculos, e que foi reformado pela prefeitura de Feelin, onde eu moro desde que nasci. O coreto está no meio de um campo de margaridas, na área aberta da floresta de espinhos. Eu não tenho medo da floresta de espinhos. Eu gosto de passar as tardes após a aula respirando o ar puro da floresta de espinhos, sempre me sinto calma e inspirada o bastante para escrever bons textos quando eu estou na floresta de espinhos."
    Alguma coisa estava começando a fazer efeito em sua mente, algo relativo à floresta de espinhos, então resolveu anotar em uma página do seu caderno o título: "Floresta de Espinhos."
    Já estava quase conseguindo o que queria, mas sentiu que havia algo importante a ser resolvido antes: "por que que Alice Haley tem bloqueio criativo?"
    Geralmente, Alice fica bloqueada quando está chateada ou frustrada, como quando ela sonha com algo que não consegue ou faz planos que dão errado. Suas derrotas a deixam triste e abalada, e seu cérebro responde o bloqueio, a sensação de que se chegou ao fundo do poço e que não serve, ou não consegue, fazer mais nada que valha a pena. No geral, só frustração, acompanhada de baixa auto-estima causam o bloqueio de Alice Haley. Por mais que tente se inspirar, nada funciona nestas circunstâncias.
    Então, o que aconteceu recentemente na vida de Alice Haley que a deixou bloqueada, criativamente falando?
    Alice tinha um desejo secreto, desses que as pessoas fazem quando sopram as velas de aniversário ou quando se joga uma moeda em uma fonte. Ela sempre quis conseguir uma vaga na redação do jornal local. Recentemente, alguém do jornal leu um de seus textos do jornal da escola e gostou do seu trabalho, mas na hora da entrevista, eles perceberam que ela não era boa o bastante para a vaga. A chance estava em suas mãos, mas escorregou igual a quando tentamos segurar água. Podia parecer ruim o bastante, mas ainda era pouco, pois o pior ainda estava por vir, pois ela também soube que não havia conseguido notas altas o bastante para ser classificada na Universidade de seus sonhos.
    Essa foi a parte da derrota, a que ela tem que ser obrigada a suportar, mas além disso também tem a parte que não é péssima ou ruim a ponto de se lamentar, mas apenas chata, aquilo que todas as pessoas acabam passando um dia: desilusão amorosa. O caso mais comum de todos, tanto que Alice já nem se importa mais com tal fato, o de "garota gosta de garoto que não gosta da garota."
    "Então é isso!" disse Alice me voz alta. "Problemas afetam minha escrita assim como afetam os outros de maneiras diferentes. Mas hoje em dia, quem não tem problemas?"
    Como viu que era complicado demais e que, ao final do dia, ainda continuaria com as mesmas dores que a fizeram parar de escrever, resolveu então sentar e voltar ao seu caderno.
    Sempre que ela tinha um problema, não conseguia escrever. Nunca aconteceu nada parecido como hoje. Como ela sabia qual era o problema, ficava mais fácil analisar a situação e até mesmo criar uma história sobre o problema. Quando o problema se torna uma ficção, é possível até mesmo criar uma solução. É algo que as pessoas chamam de "rir da própria desgraça".
    Milagrosamente, Alice Haley conseguiu, apesar de tudo, escrever uma história. Era uma história sobre uma grande floresta de espinhos dentro de uma pequena cidade. E a história começava assim:
    "Era uma vez...
     Era uma vez um reino adormecido sob o poder de uma bruxa. Ela amaldiçoou a filha do rei daquele extenso e próspero reino com a morte de roca quando a menina moça se tornasse, mas uma fada veio em intermédio com um encanto que proclamava que, ao invés de morrer, a princesa e todo o reino adormeceriam por cem anos, nem mais, nem menos que isso.
    O feitiço poderia ser desfeito mediante beijo de "amor verdadeiro", o único feitiço capaz de quebrar qualquer maldição, sendo este o mais poderoso de todos os encantos. Com medo de ver seu feitiço ser quebrado antes do tempo, a própria bruxa se certificou de que ninguém conseguiria cruzar os portões do castelo com vida, criando uma cerca de espinhos em volta dele.
    A cerca cresceu de tal maneira que invadiu os portões, tornando-se uma floresta mortal. Ninguém jamais conseguiu atravessar a floresta que rodeava o castelo, pois estava rodeada de pontudos e venenosos espinhos. De vez em quando, a bruxa sobrevoava e observava com prazer o castelo se deteriorar com o tempo.
    Séculos depois, a história virou lenda, a lenda tornou-se mito e até hoje ninguém sabe a verdadeira história por trás daquela floresta, cujos espinhos secaram e amoleceram, não fazendo mal a mais ninguém naquela tranquila cidade, mas as histórias dizem que o castelo desmoronou com a força das árvores venenosas, e todos os que estavam lá morreram ainda adormecidos. Nunca se soube se tal princesa ou se tal reino realmente existiram, mas muitas pessoas têm medo de que a alma da bruxa ainda esteja vagando pela floresta de espinhos. De vez em quando, dá pra se ouvir a risada estridente dela vinda de dentro da floresta, como se estivesse caçoando de quem não acreditou em sua história.
    O mais interessante nesta versão da história escrita por Alice Haley é que a princesa não foi salva por nenhum principe encantado, não havia principe ou amor verdadeiro o bastante que pudesse salvá-la da maldição da bruxa. O amor verdadeiro acabou ganhando status de lenda, de conto de fadas. 
    E todos eles morreram, e o terror da bruxa vive para sempre.
                                             FIM!
    Após escrever a história, Alice se sentiu mais conformada e aliviada com sua situação, que nem era tão triste, afinal.