quinta-feira, 29 de março de 2012

faça um pedido 03: um desejo do seu coração


Assustada. Perdida. Confusa.
Kaithylyn não sabia exatamente o que estava fazendo ali. Não era o tipo de pessoa que seria vista em uma festa, ainda mais em um baile daquele porte. Quando o rapaz mais bonito que ela já conhecera perguntara se ela iria comparecer ao baile de máscaras do Halloween, ela se animara toda na esperança de encontrá-lo e dizer o que estava dentro de si desde que o conhecera e aos poucos se tornaram amigos. Iria dizer que sempre quisera ser algo a mais, sempre quis ter um espaço, por menor que fosse, em seu coração.
Assustada. Perdida. Confusa.
Tinha que arrumar um jeito de sair de dentro desse labirinto. Tinha que agir e fazer alguma coisa. “Como isso foi acontecer? Como eu vim parar aqui dentro?” seu vestido longo e negro como a noite ia se rasgando aos poucos cada vez que ela corria tentando achar uma saída, mas tudo o que ela encontrou foi um corredor preto repleto de portas brancas, sua única saída daquele labirinto.
Amargurada. Decidida. Conformada.
Lembrara-se do nada de John, de como ele estranhamente se parecia com ela, gostava das mesmas coisas que ela. Eles se divertiam juntos e, embora ele fosse bastante quieto, ela conseguia conversar com ele e ele com ela. Porém ele nunca a notara. Sempre que ela fazia algo diferente, ele nem percebia os esforços dela de ser alguém diferente, de se socializar, fazer amigos. Enquanto todos a elogiavam, ele nada dizia, e isso a entristecia. Foi quando ela decidiu mudar, não se importar mais com ele nem com ninguém. Ele não lhe faria falta alguma, ela sempre viveu sozinha, nunca precisou de ninguém para nada. Seus pais lhe ensinaram a ser independente, e assim ela seria. Ninguém nunca a notara antes, e não seria diferente dessa vez.
Triste. Abandonada. Magoada.
Ela não era aceita em sua sociedade por ser diferente das outras meninas. Ela vivia em um mundo à parte, não compartilhava das mesmas experiências que elas. Elas nunca a entenderiam, nunca seriam como ela. Foi nesse momento que Kaithylyn percebeu que não tinha tantos amigos quanto pensara. Aquilo a feriu muito, mas ela tinha que ser forte e passar por isso sozinha, mas sentia falta do seu amigo, com quem ela compartilharia coisas desse tipo. Ele a ouvia e a entendia, diferente delas. Mas de certa forma elas tinham razão, ambos os lados precisavam de compreensão, e ela iria fazer a sua parte aos poucos. Mas o fato de que ela era diferente não podia ser ocultado.
Diferente. Mudada. Igual.
Kaithylyn sempre achou que fosse uma garota normal até perceber que era diferente. Era o tipo de garota que gostava de ler, usava óculos e sempre amarrava os cabelos para trás, repartindo-o no meio. Gostava de escrever sobre tudo o que via, sobre o mundo em que estava e o mundo em que vivia em sua mente. Não era o tipo de garota que costumava aprontar, costumava ficar sempre em casa fazendo as suas coisas ao invés de passar a noite fora com as amigas. Sempre fora uma boa aluna, com as médias boas e a atenção dos professores, mas nunca fora boa o suficiente para ter notas suficientes para entrar na universidade, seu grande sonho desde pequena. Nunca fora excepcional a ponto de ser notada por alguém por algo que tenha feito, sempre deixou para viver as coisas tardiamente. Enquanto suas colegas, em sua mesma idade ou mais novas, já eram adultas, Kaithylyn se sentia uma criança perto delas por não ter vivido o que elas já viveram em tão pouco tempo. Queria ir à universidade, queria viajar, se apaixonar, viver. Ainda lia revistas adolescentes, ainda lia romances, mas não conseguia acreditar em algo que sempre disseram ser ficção. Nunca um garoto gostava dela o suficiente para lhe provar o contrário. Ela nunca era perfeita para ninguém, nem para nada. Sabia que não poderia viver se lamentando, mas sabia também que precisava de ajuda para começar a mudar.
Cansada. Perdida. Acordada.
     A porta estava trancada, só podia estar, pois sua mente também estava trancada, ela só não sabia o que fazer para abrir a porta se não conseguia abrir sua mente outra vez. Medo, medo, medo... Kaithylyn tinha medo de tudo, e não sabia como seguir em frente sem se sentir um fracasso perante outras pessoas por sempre errar por medo de errar, não tentar por ser cautelosa demais, não ouvir por medo de ouvir, não experimentar por medo de não dar certo, não viver por medo de viver. Tudo foi se acumulando de tal forma até que sua mente se bloqueou, até ela não conseguir ter mais ação. Ela se sentia cansada de ser assim, cansada de tudo isso, queria ser diferente, mas o problema era que ela já era diferente de tudo e todos. Ela não os entendia, e eles não a entendiam, embora ela tenha se esforçado muito nesses últimos meses. Eles se afastaram dela, e tudo o que ela queria dizer era que sentia a falta deles, de todos eles. Disso ela tinha total consciência.
Sonhada. Decidida. Realizada.
Kaitylyn Turner definitivamente não gostava de festas. Embora gostasse de bailes de época e grandes vestidos, não estava se sentindo nem um pouco a vontade sentada ali naquela cadeira sozinha. Não conhecia ninguém ali naquele lugar, mas o fato de estar ali era uma esperança de mudança, de que algo melhor pudesse acontecer, afinal a mudança deveria partir de si, por isso estava ali, porque fora chamada até lá por suas amigas. Estava decidida a mudar seu estilo de vida, ser diferente do que era, a garota-problema de todos, no trabalho, na escola, em casa. Não queria ser a estranha que não consegue fazer amigos, e por isso ali estava. Pela primeira vez estava usando maquiagem e botas de salto alto. Usava um vestido longo e negro, repleto de véus brilhantes em camadas e babados. Estava se sentindo linda, porém nervosa, olhando para os lados o tempo todo, roendo as unhas e se enchendo de água e refrigerante. Estava certa de que era o certo a fazer, que este era o lugar em que deveria estar, mas agora não tinha mais tanta certeza disso. Tinha a sensação de ter sido abandonada por John Scott. Era melhor ir embora dali o quanto antes. Levantou-se e foi em direção à saída.
John Scott corria para chegar a tempo. Não queria deixar a garota dos seus sonhos a lhe esperar, mas estava indeciso com relação às roupas, pois queria impressioná-la. Não sabia se ela gostava dele, mas queria ter uma chance com Kaithylyn esta noite. Nada iria impedir que ele mostrasse a ela todo o seu amor que ele manteve escondido por tantos anos.
Do lado de fora do palácio, estava chovendo. Quando John desceu da carruagem, foi pego pela enxurrada repentina. Sabia que devia ter saído de casa mais cedo, ou que devia ter buscado Kaithylyn em casa, como um cavalheiro que devia ter sido com ela, assim também ganharia mais chances de conquistar o coração dela. O fato de ela ter mandado uma mensagem de texto convidando-o não significava nada, até porque ela só quis confirmar o pedido feito por ele, de certa forma indicando um convite por parte de ambos, os dois convidaram um ao outro. Ela era uma garota independente, que não gostava de esperar para tomar uma atitude, e isso ele admirava muito nela. Mas a verdade é que estava morrendo de vergonha de chegar no salão de festas todo ensopado daquele jeito. Não iria encontrá-la assim, esperaria no saguão de entrada até a chuva passar e depois entraria para se desculpar com ela e pedir-lhe outra chance, dessa vez como um encontro, não um favor para tirar um colega de um apuro. Contava com a esperança de que ela entendesse, mas reconhecia que as chances eram mínimas.
Sentou-se no chão do saguão de cabeça baixa, mas no momento exato, levantou o olhar para ver Kaithylyn passar por ele correndo a toda velocidade, sem olhar para trás. Sem pensar duas vezes, correu atrás dela para alcançá-la, mas ela ia muito rápido. Gritou seu nome, mas ela não ouvia, pois já estava muito longe e o som da chuva atrapalhava. Foi quando ele viu algo muito estranho acontecendo ali no jardim do castelo, algo que ele não julgava existir até então, mas estava vendo diante de seus olhos: um vórtice, um tipo de barreira que puxou Kaithylyn como um buraco negro, mas ela pareceu não sentir, mas impediu-o de seguir adiante, embora ele visse tudo como se estivesse observando através de uma janela de vidro. Kaithylyn estava em um labirinto cujo centro era um circulo rodeado de portas brancas com paredes negras, das quais ela se camuflava com seu vestido negro. Estava linda, a garota mais original da festa, e ele a deixou se perder desse jeito. Ela era forte e de temperamento forte, e seu visual gótico lembrava muito Morte, a irmã de Sonho, das histórias de Sandman, e como tal, sairia dessa sozinha, com muita habilidade e cautela, como só ela sabe fazer.
— O que faz aqui, criança? – perguntou uma voz distante, mas que parecia vir de dentro do vórtice.
— Quem está ai? Quem está falando? – perguntou ele assustado e esperançoso ao mesmo tempo.
— O que quer nos meus domínios?
— Quero entrar!
— Não pode entrar a menos que tenha uma razão, uma missão, um motivo que me convença. Do contrário, não poderá entrar em minhas terras.
— Eu preciso entrar, preciso ultrapassar estas barreiras. É muito importante para mim.
— Você tem certeza?
— Sim.
— Pense bem. Só posso deixar entrar se este for seu maior desejo, seu maior sonho, se puder encontrar entre as minhas portas o desejo mais profundo de seu coração. Do contrário, ficará preso neste vórtice para sempre. Muitos entraram e nunca mais puderam sair, pois não sabiam o que realmente queriam de verdade. Você tem que querer, desejar profundamente, tem que ser algo tão importante como respirar. Pense bem...
John pensou por um bom tempo e observou. Viu Kaithylyn sentada na parede de frente às portas brancas, pensando, como se estivesse escolhendo qual devia abrir. Queria muito poder ajudá-la, mas também não saberia o que fazer. Sempre confiava nela para coisas assim, ela sempre sabia tomar uma decisão sabiamente. Ainda assim, queria estar ali só para ter uma chance de se desculpar com ela. Ela provavelmente estava chateada com ele por tê-la abandonado no baile, e um dos defeitos dela era que ela deixava as emoções atrapalharem, como o nervosismo ou a raiva. Não sabia qual era a porta, mas sabia que queria estar lá para dar um voto de confiança a ela, mostrar que, mesmo se ela escolher a porta errada estava tudo bem, e eles encontrariam outro jeito de sair dali, juntos. Era isso que ele queria, do fundo do coração.
Mais nada havia sido dito por aquela voz estranha de dentro do vórtice, ele apenas se aproximou da parede, que agora estava líquida, e a atravessou com facilidade.
Magia. Desejo. Sonho.
Kaithylyn estava sozinha, sentada em um corredor negro enorme, tendo uma fileira de portas brancas a sua frente. Não havia outra saída que não fosse por uma daquelas portas. Seus olhos e seus pensamentos vagueavam por todas as portas, ela só precisava decidir qual delas abrir.
— Qual o problema? Você só precisa escolher, é bem simples.
— Não é tão simples assim. Nem sei quantas chances eu tenho, e se eu abrir a porta errada e não puder voltar pra cá e escolher outra?
— Você só vai saber se tentar.
Ela não se moveu, continuou sentada no chão, olhando para os próprios pés.
— Então, vai ficar aqui para sempre?
— Talvez. – ela respondeu de mau-humor. – eu não gosto nada disso.
— Disso o que?
— De ter que tomar uma decisão complicada dessas, é como se a minha vida dependesse do que está por trás de uma dessas portas.
— Bom, tecnicamente a nossa vida meio que depende do que está por trás dessas portas, você sabe que estamos juntos nessa.
Kaithylyn olhou nos olhos de John e perguntou:
— Você está mesmo aqui, ou é imaginação minha?
— Eu estou aqui, por que acha que eu não estou?
— Por que você me deixou sozinha no baile, então?
John não olhou para ela, apenas olhou para as portas, e começou a falar:
— Estava criando muita expectativa com relação a encontrar com você no baile de hoje. Eu queria demais ter um momento a sós com você, mas acabei estragando tudo, me desculpe.
— Bom, agora você tem um momento a sós comigo. Se eu falhar, ficaremos aqui nesse corredor para sempre. Não era bem a ideia que eu tinha de um final feliz, eu estou apavorada, mas se é assim que tem que ser, você tem todo o tempo do mundo agora.
— Você não parece feliz.
— Mas é claro que eu não estou feliz! Percebeu onde estamos? Olha, eu gosto de você, mas isso é um vórtice encantado. Eu não devia ter vindo para esta festa, minhas amigas insistiram, então eu achei que seria uma boa ideia. Quando eu estava prestes a desistir, você me convidou ao baile.
— Entendo que esteja apavorada. Ao contrário de você, eu quis estar aqui, com você. Se for para eu estar aqui, que seja com você.
Kaithylyn ficou quieta um instante, absorvendo o que John acabara de dizer, então disse:
— Por que só agora, depois de todo esse tempo, todos esses anos em que eu esperei que você me dissesse isso, por que só agora?
— Por que... Eu não sei, só sei que você está diferente agora, e eu também mudei. Muita coisa aconteceu, e eu nunca tinha parado para observar você por esse ângulo, até que passei a sentir isso. Não queria admitir para mim mesmo, mas daí eu pensei: “por que não? Por que não dar uma chance a mim mesmo, a nós dois? Quem sabe o que poderia acontecer?” Só temos que sair daqui para descobrir.
Ela levantou a cabeça e olhou fixamente para a porta a sua frente.
— Eu não sei o que fazer. – disse ela desanimada.
— Você sabe o que fazer, você só não sabe o que quer, por isso não sabe como deve fazer.
— Falando assim parece fácil.
— Mas é fácil, Kaithylyn. Faça o que tem que fazer, o que seu coração mandar.
Sem olhar para os lados, ela levantou-se e caminhou em direção a porta que estava na sua frente e, sem dizer mais nada, ela fechou os olhos e desejou com a mão na maçaneta. Quando abriu os olhos, olhou para o lado e percebeu onde estava. Olhou para John sorrindo e perguntou:
— Como você sabia que era essa porta?
— Foi você que a abriu. Você sentiu que era essa porta. Pela forma como você olhava para ela, eu diria que foi algo que eu costumo chamar de intuição. Olhe ao seu redor.
Quando ela olhou, percebeu onde estava. O vento tocava seu rosto suavemente e a brisa refrescante da primavera lhe trazia o perfume das rosas do jardim que ela não via desde que era criança. Parecia que o tempo não tinha passado naquele lugar, mas ela sabia que tudo havia mudado, inclusive ela.
— É incrível que passou tanto tempo desde... – começou Kaithylyn.
— Desde... ?
— Este lugar está intocado. Era o lugar em que eu me sentia mais feliz quando eu era pequena. Eu queria te trazer aqui qualquer dia desses. Mas está tão diferente, embora o lugar seja o mesmo, do mesmo jeito, não era assim que eu esperava encontrar este lugar.
— Você tinha uma vaga lembrança daqui, e os anos passaram, as circunstâncias mudaram também, tudo está diferente. Esse era o seu desejo, do fundo do seu coração?
— Sim, era. Era tudo o que eu queria, estar em paz comigo mesma, ter uma chance de ser uma pessoa diferente, mas sendo a mesma por dentro. Fazer a diferença, mas sendo eu mesma. Aqui é o único lugar em que eu posso ser quem sou, onde fui criada. – não estava sendo totalmente sincera, pediu mais uma coisa além de todas as citadas, mas preferiu guardar para si a última parte. - E você?
— O meu era mais simples, só estar com você era suficiente.
— Mas e sua vida, você deixou tudo para trás.
— Não se pode deixar para trás o que nunca teve. – disse John ao observar o horizonte ao longe. Suas roupas haviam secado e ele tirou o colete sentou-se na praia, o qual ele constatou que não havia mais ninguém além deles dois.
Kaithylyn aproximou-se de John e disse:
— Eu sempre tive medo de me aproximar demais das pessoas, de acabar me apegando, me apaixonando. Nunca soube como lidar com isso, me desculpe.
 —Nem se você não fosse humana, nunca conseguiria não se aproximar, se apegar, se apaixonar.
— Obrigada por estar aqui comigo.
— Você sabe que eu sempre estarei aqui, que o dia de hoje é só o começo de uma longa história.
— Pois eu acho que o fim está próximo. – disse ela meio aliviada, meio triste.
Ambos pararam diante da reflexão dela pelo que pareceram uns breves minutos, até que por fim, ele segurou a mão dela em um gesto compreensivo e disse:
— Esse lugar, esse pedaço de paraíso, foi o melhor que pudemos conseguir. Não precisa ter pressa, nós temos toda a eternidade pela frente. Podemos só aproveitar o tempo que temos.
— É, tem razão. – disse ela meio conformada.
Ele a abraçou forte e disse:
­— Relaxa, às vezes o inesperado pode acontecer.
Ela sorriu ao ouvi-lo dizer isso. Ele estava certo, afinal. Embora ele não soubesse exatamente o pedido dela, ela sabia naquele momento que ele tinha razão.