segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A Primeira Página


Sabe o que eu mais quero ver? Aquilo que eu sempre peço à estrela, o pedido que eu faço quando sopro as velas no meu aniversário? Bom, eu não faço ideia, mesmo. É como quando estamos sonhando e ao acordarmos não conseguimos nos lembrar do sonho. É do mesmo jeito comigo, por isso eu sempre mudo de desejo, sempre faço um novo pedido, sempre quero uma coisa diferente, pois eu nunca sei o que eu pedi anteriormente, o que importa é o que eu quero agora, amanhã eu poderei querer outra coisa, nunca se sabe. Amanhã, as coisas de hoje provavelmente deixarão de ter tanta importância.
Esse é um dos motivos de eu raramente sofrer por amor. Eu tenho desilusões amorosas, sim, mas eu geralmente deixo passar até eu 1. Esquecer, 2. Encontrar um novo amor ou 3. Procurar ocupar minha mente com outras coisas. Depois de um tempo eu vejo aquela pessoa e puf! Passou.
Mas nem sempre as coisas funcionam assim. Muitas vezes eu só deixo pra lá, sigo em frente, mas esquecer nem sempre é simples. Passou um tempo e meu coração não bate mais por ele, mas evito ver ou falar com ele, e a namorada dele, bom, eu sempre penso ao olhar pra ela que ela é o que ele quer, embora não seja o que ele precisa, mas isso ele nunca vai saber, pois quando se tem o que sempre quis, o resto não importa. Outra coisa que eu sempre penso é: o que ela tem que eu não tenho? A resposta é: tudo. Não é querendo baixar minha autoestima, entendam, é mais fácil se apaixonar por alguém com quem você convive do que por um estranho. Aparência e autoconfiança também contam.
Então, sabe o que eu quero? Quero algo parecido com o que costumamos ver nas histórias. Algo mais parecido com... Não sei bem dizer, não é um “felizes para sempre” ou algo assim, mas, eu vou ter que parar minha linha de pensamento agora porque estão tocando a campainha.
- Lizzie?
- Travis, aconteceu alguma coisa?
Travis é um grande amigo meu, nos conhecemos na faculdade há uns dois anos, por ai. No começo, eu tive uma queda por ele porque ele era o cara mais charmoso da minha turma, depois que eu vi que ele era muito mais que um rostinho bonito, eu acabei me apaixonando por ele, mas ele sempre só me viu como uma amiga, então eu me desencanei dele. Mas ainda assim somos grandes amigos, ele já é de casa. Ele é justamente aquele que eu falei alguns parágrafos atrás.
- Bom, eu estava passando e resolvi vir aqui te ver, se você não estiver ocupada, a gente podia sair mais tarde, está passando um filme legal no cinema, se você quiser.
- Entra ai e bebe alguma coisa, deve ter um suco ou uma coca nessa geladeira. Eu estou trabalhando agora, mas eu posso ver aqui.
Ele veio por trás de mim e mirou na tela do computador, tentando observar.
- O que você está fazendo?
- Ah, é um texto novo, não é sobre mim, só é narrado em primeira pessoa.
- Parece bom, sabe, você devia continuar com isso, sério, seus textos são muito bons. Eu até pensei que você tinha abandonado a sua coluna.
- Obrigada, eu amo escrever, eu adoro essas histórias, não conseguiria parar.
- Eu falo sério quando digo, você devia investir a sério em ser escritora. Todos adorariam ler suas histórias. Eu gosto muito delas.
- Você só está sendo gentil. Daqui a pouco eu termino esse trabalho e dai eu poderei te dar atenção.
Na verdade, fica difícil se concentrar com ele ali tão perto. Estranhamente eu pensei nele quando comecei a escrever o texto sobre o que eu quero, embora eu não o queira mais como antes. Como eu disse, não sei mais o que eu quero.
Travis parecia meio tenso, como se estivesse esperando algo em particular, como se precisasse muito fazer alguma coisa. Ele não parecia tão tranquilo como sempre foi. Havia algo de muito estranho nele.  Fazia tanto tempo que não nos víamos que eu nem sabia como conversar com ele. Tantas coisas a perguntar, mas o assunto foge.
- E então, o que o trás aqui, tão longe do seu lugar?
- Eu soube de umas histórias, e queria confirmar direto com a fonte.
- Que tipo de histórias falariam sobre mim? Eu nunca me meti em fofocas.
- Não é isso. É que quando nós estudávamos juntos, você falava em escrever um romance, e colocaria o meu nome no personagem principal.
Estranho ele vir de tão longe pra falar de algo que nem existe mais. Por que ele estaria tocando nesse assunto agora?
- Era só uma ideia boba. Aquele livro nunca iria sair, eu era uma adolescente, e na época você não pareceu se importar.
- Era um bom livro, eu o leria. Você não devia ter desistido. Acho que você sabia exatamente o que estava fazendo, afinal não éramos adolescentes, como você diz.
- O que você quer dizer?
- Que eu terminei com a Ashley.
- Sério, ainda não entendi aonde você quer chegar com isso. Aliás, Ashley era uma garota legal.
Eu estava me sentindo como se tivesse entrado em um daqueles sonhos loucos em que tudo o que você mais quer acontece em uma sucessão de acontecimentos, de forma tão inacreditável quanto impossível, e nesse sonho sempre tem uma explicação irracional, o que nos faz perceber que é apenas um sonho. O truque para sair dessa? Não aceite nada do que lhe oferecerem, pode ser a pessoa em que você mais confia, é só um tipo de pesadelo no qual algo muito ruim acontece se você aceita as coisas boas que lhe oferecem, e convenhamos, o Travis aparecendo assim dizendo tais coisas é um tanto suspeito.
- Eu só queria saber se as histórias eram verdadeiras, sobre você ter nutrido uma paixão secreta por mim naquela época. Foi por isso que eu vim aqui.
Não sei se ficava feliz ou com raiva. Nada disso fazia sentido.
- O que você quer que eu diga? Que fiquei feliz? Que fiquei decepcionada? Eu não sei o que dizer, mesmo. Depois de tantos anos você vem desenterrar um assunto que eu demorei tanto pra esquecer. Eu era só uma estranha, só mais alguém. Tornamo-nos amigos, mas você sempre deixou claro que nunca seríamos nada além disso. Você nunca olhou pra mim como eu gostaria que olhasse. Você acha que foi fácil? Tive que seguir em frente, era o melhor que eu podia fazer pra te esquecer. Queria que fôssemos amigos, mas estava ficando cada vez mais difícil. Eu tinha que deixar você ser feliz, mesmo que nunca fosse comigo. Daí do nada você aparece e atrapalha toda a minha concentração, minha rotina. Eu tenho tantas coisas a fazer, tanto com o me preocupar.
Travis abaixou a cabeça, envergonhado. Estava claro que não era essa a sua intenção.
- Me desculpe, você tem toda razão. Eu não devia ter vindo aqui e te atrapalhado. Eu só achei que estava fazendo a coisa certa, mesmo depois de tanto tempo, eu reconheci meu erro e percebi a tempo o que eu devia fazer. O que eu devia ter feito desde o começo.
- Que seria...
- Isso.
Ele se levantou de onde estava sentado e veio em minha direção para me beijar, e nesses dois segundos eu pensei em duas coisas: 1. É só um sonho, nada disso é real, e 2. Pode até ser que seja um sonho, mas mesmo se for, é bom aproveitar enquanto eu não acordo. Perdi meu tempo pensando nessas coisas que nem percebi o beijo, o que levanta minha teoria de que isso não é real. Se bem que, se fosse um sonho, eu teria sentido o beijo.
- Você não gostou. – falou ele com ar decepcionado.
- Não, não é que eu não tenha gostado, eu mal percebi porque estava pensando em muita coisa. Mas a questão é que, antes de eu te pedir outro beijo, queria saber tudo do começo. Quem te contou sobre o que eu sentia naquela época? E dai, do nada, você termina com a Ashley e vem correndo pra mim. E se eu não estivesse livre?
- Eu pensei em tudo isso, tá bom? Eu e a Ashley terminamos antes de eu saber sobre você. Não estávamos indo bem, e assim que eu terminei com ela, várias pessoas vieram me contar sobre você. Eu passei um bom tempo pensando nisso, se era verdade ou não. Naquela época, eu sentia uma pequena faísca quando estava com você, mas como você nunca se mostrou interessada em mim, eu acabei conhecendo a Ashley e passei esses anos com ela. Quando decidi vir até aqui, decidi vir apenas como amigo, te sondar pra saber se era verdade o que me disseram, e caso não fosse, eu tentaria uma chance de te conquistar.
Um plano bem arquitetado, devo confessar. A chance que eu perdi estava voltando pra mim de maneira tão fácil.
- Não sei se devo te aceitar ou não. Sei que temos muito sobre o que conversar. Eu estava querendo sair mesmo pra fazer alguma coisa, afinal, hoje é meu aniversário. Cinema?
- O que você quiser.
- Eu vou só salvar esse texto e enviá-lo ao e-mail do meu trabalho, depois podemos sair e conversar.
E foi assim. No dia do meu aniversário eu fiz um pedido secreto e esse pedido é misteriosamente atendido. Por mais estranho que se possa parecer, as coisas podem sim aparecer como mágica diante de nós. Basta acreditar, embora eu ainda não acredite totalmente. Elizabeth Summers e Travis Rogers mal se conheciam, mas ainda tínhamos uma vida inteira pela frente para conhecermos o mundo e conhecermos um ao outro. Se ele algum dia tivesse que ser meu, voltaria pra mim uma hora ou outra.
- Eu não me lembrava de que hoje era seu aniversário. Eu devia comprar um presente, mas faz tanto tempo que não nos encontramos que eu nem sei mais do que você precisa no momento.
- Não precisa. Hoje você me deu aquilo que eu estava precisando neste momento.
Foi então que eu criei coragem e o beijei. Estávamos caminhando rumo ao cinema próximo da praça central, onde havia uma banca de flores atrás de nós e eu finalmente pude sentir como era beijar Travis Rogers. Havia urgência e delicadeza no toque de seus lábios, e a mistura das duas combinações me deixaram sem ar. Ele tinha certa precaução ao tocar em meus cabelos e braços enquanto me beijava, como se quisesse saber se era ou não o certo a fazer comigo, talvez esperando que eu o afastasse. Ele queria me agradar a todo custo, como que a recuperar o tempo perdido ao longo dos anos.
Depois de vermos o filme, fomos a uma delicatéssen, na qual eu aproveitei para fazer as perguntas que estavam na minha cabeça desde que ele entrou por minha porta.
- Eu me formei na Feelin College Hill ano passado. Desde então trabalho dando aulas de música na escola local, mas pretendo viajar pelo mundo para conhecer todas as culturas ao redor. E você?
- Depois de me formar, continuei trabalhando na mesma livraria, mas eu gosto de lá. Além da livraria, era de se imaginar que eu teria outro emprego para conseguir me manter, desde então, tenho trabalhado como colunista de uma revista em outro estado, mas nunca fui lá pessoalmente, eu sempre escrevo textos do tipo que as adolescentes gostam de ler, e eu também gostaria, devo admitir.
- Mas e o seu livro?
- Depois de um tempo, acabei deixando de lado em prol de outas coisas que eu julgava serem mais importantes para mim naquele momento. Um dia, talvez, eu volte ao projeto. Ainda o tenho guardado em meu computador. Mas não considero mais escrever sobre você. Digamos que a história tomou outro rumo, na qual sua participação já não seria mais tão útil quanto antes seria.
- Namorou alguém nesse meio tempo?
- Me apaixonei diversas vezes depois de você, mas como eles nunca me amavam de volta, acabei deixando pra lá em função de outros projetos. Foi bom porque eu continuava no foco, não tinha nem tempo de sofrer, por assim dizer. Nunca saí à procura de ninguém, sentia falta de ser a solteira da turma, mas sempre tinha algo mais importante a se pensar. E você, só a Ashley?
- Depois dela vieram outras, mas coisa rápida. Não conseguia me apegar, por assim dizer.
- Eu nunca acreditei em histórias de fantasia, apesar de ser grande fã, mas eu poderia classificar isso como um possível final feliz?
- Acho que não. Não acredito em “felizes para sempre”. Mas eu poderia dizer que essa poderia ser a primeira página de nosso romance. O que acha?
- A primeira página? Bem colocado. Já até tive uma ideia de um texto, e você já me deu um título.
As horas se passaram como segundos, os dias como horas, e cerca de um ano depois estávamos morando juntos no meu pequeno apartamento, com planos de viajar pelo mundo juntos nas nossas próximas férias de verão. A cada dia eu conseguia escrever uma página daquilo que um dia viria a ser o meu futuro romance, agora com detalhes atualizados entre os personagens. Talvez ele fique na gaveta, ou talvez o mundo o conheça como eu, mas por enquanto, o que importa é cada dia que vivemos juntos, nos arriscamos sem medo a encarar a incrível aventura de vivermos juntos, vivendo um dia de cada vez, que, afinal de contas, é o que importa.

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