Foi há muito tempo, nem
me lembro bem quando. Talvez há alguns anos ou há alguns minutos atrás. Mas
isso não importa, pois com ele, o tempo é a coisa mais oscilante que pode
existir, assim como a dimensão do espaço. Pode ser que seja algo que aconteceu,
mas também pode ser algo que ainda vá acontecer no futuro. Aqui ou em qualquer
outro lugar do Universo. Como eu disse antes, isso não importa agora. A única
coisa que eu sei ao certo sobre aquele dia é que ele mudou a minha vida
completamente.
Aconteceu justamente
quando eu estava sentada em frente ao meu notebook, tentando escrever mais uma
história da coleção “faça um pedido”. Como diz o titulo, a personagem tem que
desejar algo, “fazer algum pedido, consciente ou não disso”. Eu estava sem
nenhuma ideia boa o bastante para um texto decente, do tipo que valha a pena
mostrar, mas tive que parar porque havia um barulho me incomodando, um barulho
estranho, como um ruído de uma cafeteira ou de uma panela de pressão, mas bem
mais ruidoso e estranho, algo difícil de explicar. Enfim, é mais fácil se
entrarem na minha mente, dai vocês entenderão melhor o que eu estou querendo
dizer. Aqui está o que aconteceu naquele dia.
A primeira coisa que eu
ouvi foi um forte barulho vindo do outro lado da rua, um som que aparentemente
ninguém mais ouviu. Eu simplesmente pensei ter ouvido coisas e voltei ao que
estava fazendo, que naquele momento não era nada de importante, pelo menos nada
que eu possa me lembrar. Eu estava de férias do trabalho e estava pretendendo
sair, mas algo muito estranho estava acontecendo no clima naquele momento:
nuvens escuras e rodopiantes em torno da minha rua, como se algo estivesse
querendo sair em um buraco no céu. Não havia mais ninguém em casa e, como eu
nunca vi nada assim, resolvi sair dali o quanto antes, embora me parecesse
arriscado demais.
Ao sair às pressas pelo
portão, sem querer esbarrei em um homem alto, de paletó e sobretudo, o que era
bem estranho para os padrões de temperatura de Fortaleza. Não vi o rosto dele,
pedi desculpas e simplesmente continuei correndo até a parada de ônibus, mas ao
chegar lá, algo me fez parar abruptamente.
Na pressa, me dei conta
de que esqueci meu celular, e pelo visto haviam colocado uma cabine telefônica
nova na rua, mas era absolutamente estranho isso justamente porque aqui na
minha cidade existem os “orelhões”, que são as máquinas telefônicas nuas, sem
nenhuma cabine cobrindo-as. Nunca houve necessidade de os telefones serem
guardados em cabines. A cabine era azul e tinha inscrições da policia, mas com
uma placa que indicava uso público. O problema era que a mesma estava trancada,
provavelmente porque eles ainda estavam instalando. Eu senti o impulso de
tentar abri-la justamente porque ela me era estranhamente familiar, como se eu
devesse me lembrar desta cabine como se fosse algo extremamente importante para
mim, como se só agora, ao olhar para esta cabine policial azul em estilo retrô,
eu me desse conta de que tem algo faltando em mim, algo essencial à minha vida. Mas como ela estava trancada, eu
voltei pra casa para pegar o meu celular. E qual não foi minha surpresa ao me
deparar com aquele mesmo cara de casaco de risca de giz e tênis all star
tentando arrombar o portão da minha casa.
- Ei! – eu falei.
- Olá!
Ele estava tentando
quebrar o cadeado do meu portão com um tipo estranho de chave de fenda,
provavelmente eletrônica, pois ela emitia um som e acendia uma luz azul.
- Está tentando entrar
na minha casa. Por que está quebrando o cadeado do portão da minha casa? – eu
gritei com ele.
Ele escondeu
rapidamente a sua chave de fenda e tirou do bolso do casaco uma carteira com um
papel em branco dentro.
- Por que está me
mostrando isso? Deveria ter alguma coisa escrita aí?
Ele chegou mais próximo
de mim, quase encostando nariz com nariz, como se estivesse me analisando, e
passou a sua chave de fenda em torno de mim, ela emitindo um som estranho outra
vez.
- Estranho, muito
estranho...
- Estranho digo eu,
você é que é muito estranho. Ainda não me disse o que está fazendo aqui no meu
portão, nem muito menos quem é você.
- Você mora aqui nesta
casa? Sozinha?
- Não, mas eu não tenho
o costume de responder perguntas a estranhos.
- Bem lembrado! – e
tirando as mãos do casaco, me cumprimentou, dizendo: - Eu sou o Doutor!
Na hora, eu achei muito
estranho alguém se apresentar assim, mas quando ele me disse, tive a impressão
que deveria conhecer este nome, embora não fosse necessariamente um nome, mas
era como se eu o conhecesse e não o visse há tempo suficiente para que eu
pudesse esquecê-lo. Eu só sei que guardei todas estas minhas perguntas para
mais tarde e apenas perguntei:
- Que Doutor?
- Só “Doutor”.
- Vou fingir que tudo
bem, mas o que um “Doutor” estaria fazendo em minha casa, tentando entrar sem
ser convidado, tentando passar...
Mas ele pôs o dedo na
minha boca, tentando me fazer calar, e dizendo:
- Está acontecendo algo
muito estranho e muito grave, e o sinal vem da sua casa, algo muito ruim vai
acontecer não só em sua casa e no seu bendito portão que eu estou tentando
arrombar, mas em todo o planeta, isso se você não me deixar entrar e deter o
que quer que esteja lá. Então eu sugiro que me deixe entrar e cuidar disso,
enquanto você vai para algum lugar bem longe daqui. Entendido?
Tentei dizer que sim
com a cabeça, mas ele percebeu e logo soltou a minha boca outra vez. Assim eu
pude dizer:
- Eu abrirei o portão,
mas eu não o deixarei. Eu entro junto com você.
Pensei que ele fosse se
opor, mas ele apenas disse:
- É justo, já que a
casa é sua. Qual o seu nome?
- É Elizabeth.
Assim que eu abri o
portão, ele saltitou para dentro, ao mesmo tempo em que dizia:
- Qual Elizabeth
exatamente você é? Eu já conheci muitas Elizabeth’s, até namorei a primeira,
enfim, longa história. Esta casa é muito quente!
- Você é maluco, alguém
já disse isso? Estamos no Brasil, em Fortaleza, uma das cidades mais quentes do
país. A rainha Elizabeth segunda, não a primeira, ela governa na Grã- Bretanha.
Você deve estar muito longe de casa.
- Você nem imagina o
quanto.
Ele continuou agitando
a chave, fazendo um som sônico toda vez que ele passava em qualquer lugar. Nós
dois paramos na minha mesa do computador, onde próximo a minha coleção de
filmes estava uma TARDIS de papelão, uma réplica perfeita da cabine policial
que estava próxima da parada de ônibus da minha rua. Foi quando eu realmente
olhei para ele e sua chave sônica, seu casaco e seus tênis all star colorido.
Ainda segurando a
TARDIS, eu disse:
- Impossível.
Depois do choque
inicial, ele disse:
- Por isso meu papel
psíquico não funcionou com você. Alguém entrou na sua mente e extraiu suas
memórias. Eu ainda não sei o que é, mas tem algo aqui na sua casa que está
consumindo a sua mente. Aconteceu algo muito importante que alguém não quer que
você se lembre. Tem alguma coisa com você, mas por que você?
A chave sônica
impulsionou algo em meu colar, que o fez tremer. Foi aí que eu não vi mais
nada, só senti algo errado quando senti que ia cair e ele me segurou antes que
eu caísse.
Quando acordei, ele
havia me levado para a TARDIS, exatamente como eu havia imaginado como seria,
além do que todos dizem que ela é: maior por dentro, muito maior, por sinal. O
que me fez acordar foi o som do Doutor mexendo nos botões do painel de controle
da TARDIS. Levantei devagar e me aproximei dele.
- Que bom que acordou,
sente-se melhor?
- Sim, descobriu o que
aconteceu?
- Tenho uma teoria. Mas
pude perceber que você já sabe quem sou.
- Só estou surpresa em
saber que é real. Tudo o que eu conheço sobre você é o que eu vejo na TV. Lá,
você é retratado como um extraterrestre viajante do tempo, do planeta
Gallifrey, a bordo da sua cabine/máquina do tempo e tem sempre alguém com você.
Quem é sua parceira agora?
- Estou sozinho no
momento. Tenho que me acostumar com isso, pois no fim, serei somente eu. Mas
vamos ao que interessa. Descobri coisas interessantes enquanto você se
recuperava, algo que interessa a você e, por incrível que pareça, a mim. Isso
tem relação ao fato de terem escolhido você.
Enquanto ele falava,
prestei atenção no quanto ele parecia triste e cansado. Tentei pensar no quanto
isso parecia loucura, e tentar me lembrar quando exatamente que esse delírio
começou, sendo que eu nem me lembro de ter ido dormir para ter tal sonho.
Apesar de eu não querer admitir, tudo isso parecia muito real pra mim, o toque,
o cheiro, a sensação, os sons, tudo era palpável ali dentro da TARDIS.
- É incrível como lá
fora está quente, eu já estive bem perto do sol, mas não é nada comparado a
esta cidadezinha. Como vocês conseguem viver aqui?
- A gente se acostuma.
Mas aqui dentro está confortável. E então, o que descobriu sobre mim?
- Nunca saiu daqui,
exceto em um passeio para um parque que fica em outra cidade, mas voltou no
mesmo dia, então em sua cabeça você não conta como viagem, “sair de Fortaleza”;
estudou em várias escolas até se formar, e antes de entrar em uma faculdade,
Jornalismo, a propósito, começou a trabalhar para pagar seus estudos; vive com
os pais e duas irmãs, que saíram todos no momento; você aprecia ficar sozinha
em casa porque vive a lamentar o fato de não ter seu próprio quarto, sua
privacidade para poder escrever; secretamente, ou nem tanto, você sonha em ser
escritora e viver sua própria aventura; teve apenas um namorado, há anos atrás,
uns cinco, por ai, e...
- Tá, você sabe demais
sobre mim, inclusive o que eu nem sabia, mas eu me referia ao motivo de você
ter vindo parar aqui, você disse que foi por minha causa. Tem alguém atrás de
mim ou algo assim?
Ele parecia muito
concentrado, como se não tivesse prestado atenção ou não quisesse falar sobre o
assunto. Levantei e fui até ele, que estava sentado de frente ao painel de
comando, brincando com a gravata em suas mãos.
- Filtro de Percepção,
um muito forte. Alguém ou alguma coisa está muito interessado em algo que você
sabe, mas colocaram outras lembranças em sua mente, como se quisessem inibir
aquilo que você sabe e extrair apenas para eles e depois descarta-la quando não
servir mais ao seu propósito. Você se lembra de algo estranho que aconteceu com
você recentemente, algo que possa ser relevante, mas passou despercebido em um
primeiro momento?
- Fora hoje? A coisa
mais estranha que já me aconteceu foi ver você aqui, hoje.
- Não ajudou muito. Deve
ter acontecido mais alguma coisa que “ativou” isto em você, algo que foi
essencial para este dia, este momento. Pense Doutor, pense!
O Doutor olhava para
mim e para sua chave sônica, batendo-a na cabeça, e repetindo o tempo todo:
“Pense!”. Enquanto isso, eu também tentava freneticamente pensar em algo que o
ligasse ao dia de hoje. Havia algo, estava na ponta da língua, do pensamento,
era...
- O colar! – dissemos
nós dois juntos.
- Quando você aproximou
a chave sônica do meu colar, ele reagiu em mim, por isso eu desmaiei.
- Tem alguma coisa
nele. Deixa-me ver.
Tirei meu colar e o
entreguei a ele. Mais uma vez, ele usou sua chave para verificar se o colar
sofria alguma reação. A pequena esfera mudou de cor, como se estivesse
esquentando, passou do azul para o verde até o laranja e o vermelho, como algo
a ferver por dentro dele.
- Curioso, muito
curioso... Desde quando você tem esse colar?
- Desde sempre, eu
acho. Não me lembro se eu ganhei ou comprei, só me lembro que eu sempre o tive
comigo, como se algo me atraísse a ele. Isso é relevante?
- Ah, muito. Você não
sabe o quanto essa informação é preciosa. Essa esfera está cheia de inscrições
que só aparecem quando entram em reação com a chave sônica, como se a chave,
que é parte da TARDIS, estivesse chamando-a. eu não acredito que, dentre todos
os planetas e galáxias, eu a encontrei aqui, nesta cidade ensolarada! Oh, meu
Deus, eu me empolguei, desculpe. É por causa disto que há uma raça alienígena
está perseguindo você, por causa deste colar com esta esfera brilhante, veja
isto!
Havia várias letras e
símbolos em volta de toda a esfera, que estava suspensa por uma espécie de
suporte perolado que segurava a esfera no cordão e a mantinha suspensa. Era
muito bonito de se ver todas as cores rodopiando em um caleidoscópio brilhante
dentro da esfera, mas foi ai que eu me dei conta.
- Se há aliens atrás de
mim por causa do colar, então devemos nos livrar dele, e rápido!
O Doutor me deteve.
- Não, não, não! Você
não me entendeu! Eles estavam aqui desde sempre, procurando por um sinal de que
ainda era verdade ou se era só mais uma lenda, esse colar a estava protegendo,
mas o mesmo sinal que eu recebi, eles também receberam, o sinal não veio daqui,
bem, veio, mas como um pedido de ajuda. Era um sinal de socorro emitido por seu
dono, você, ele me chamou para avisar que você corria grande perigo. Esse colar
é Gallifreyano!
- O quê?
- Você não é daqui,
simples assim. Novas lembranças foram implantadas em sua mente para protegê-la,
porque você não poderia saber de onde veio. Nada na sua vida é real, esse colar
foi a única coisa que sobrou de sua antiga vida, como um sinal de que você
ainda existe, que você escapou e conseguiu sobreviver, depois de tudo o que
aconteceu.
- Isso não faz o menor
sentido, você está falando coisa com coisa. Como eu posso “não ser daqui”? Como
eu não posso ser daqui? Porque teriam aliens atrás de mim, Doutor? Eu sou só
mais uma garota em uma cidade grande, eu nunca fiz nada demais, eu sou só... Eu.
Eu não queria aceitar o
que ele dizia, não por ser algo ruim, ou mesmo por ser algo bom, tudo o que
importava era que o mundo que eu achava ser apenas em minha mente era na
verdade a minha realidade, que tudo o que eu vivi aqui que eu achava serem
coisas importantes, na verdade nunca existiram. Era muito para processar em uma
única tarde. Minha casa, minha família, meus amigos, meu trabalho, tudo uma
história plantada na minha mente por alguém ou alguma coisa que queria me
proteger dos aliens que queriam me pegar porque eu tinha algo que eles queriam.
Mesmo não sendo a vida que eu sempre quis, era a minha vida, a que eu
acreditava ser real. Mesmo que esta parecesse ser a única explicação correta,
ainda me sentia triste e vazia por dentro, um eco dentro de mim dizia que ele
estava certo, afinal de contas. Eu nunca me encaixei neste lugar por algum
motivo, eu só nunca soube qual.
Quando eu me sentei e
comecei a chorar, o Doutor me abraçou, dizendo que estava tudo bem. Eu queria
pedir a ele para parar de mentir, que as coisas só piorariam daqui pra diante,
mas eu não consegui. Só agradeci dentro de mim por ele estar aqui para me
abraçar, quando não havia mais ninguém por perto.
Coisas que sei sobre o
Doutor: regra nº 01: o Doutor sempre mente;
Regra nº 354: ele tem um
complexo de Deus, sempre tem que estar no lugar certo, na hora certa, sempre
salvando alguém;
Regra nº 46: se um dos seus é ameaçado ou se a vida de um dos seus é
posta em perigo, ele fará o possível e o impossível para protegê-los;
Ele apareceu na minha
vida de repente, mas eu o esperava, mesmo sem saber, como uma criança espera o
momento de encontrar seu ídolo de infância, não como alguém que eu me
apaixonaria, mas como alguém que eu sempre achei que não existisse, mas que de
repente está diante de você, do jeito que você sempre imaginou. Esse é o meu
Doutor. E pelo visto, do mesmo jeito que eu acreditava nele, ele tinha a mesma
crença em mim, só porque eu tinha algo que foi de seu planeta natal, porque de
alguma forma eu tenho esse elo com ele, com seu passado. Por que eu não
pertenço a este lugar, mas a algum lugar que ele deveria estar, ao lado dele,
como sua amiga, ou prima, ou mesmo uma irmã distante. Alguém que veio do mesmo
lugar que ele.
- Nós iremos achá-los,
e juntos os derrotaremos. Um único Doutor já derrotou todos eles, sempre. Se
forem dois, eles terão medo em dobro de nós, você vai ver.
- Então devemos voltar
pra minha casa, se é lá que eles estão, então nós os cercaremos.
Ao chegarmos na porta
da TARDIS, ele segurou a maçaneta para me perguntar:
- Elizabeth, você está
bem mesmo?
- Estou. Mas antes me
diga uma coisa: eu sou de Gallifrey?
- Sim.
- Mais uma coisa: eu
tenho poderes?
- Sim.
- Eu sou como você?
- Não, você não é uma
Senhora Do Tempo, mas tem poderes parecidos, por isso aos olhos dos outros
aliens, você também é uma ameaça, assim como eu.
- Do mesmo jeito que
para alguns você é uma ameaça, você também é amado por muitos.
- Assim como você será.
O que você tem aqui não é um universo paralelo, você apenas não tem memoria e
poderes, mas você viveu toda uma vida e foi amada por muitos. O que você viveu
aqui foi real, só sua origem, identidade é que não são.
- Uma última coisa:
quando eu poderei me lembrar de toda a minha vida de antes, de quando eu vivi
com você em Gallifrey e da minha verdadeira origem?
- Uma coisa de cada
vez, veremos como este dia termina e dai poderemos pensar em algo com relação a
isso. Espere! Esqueci-me de algo importante.
Foi quando ele correu
até o painel e pegou de volta o meu colar e o colocou em torno do meu pescoço.
- Com certeza você vai
precisar disso. Agora vamos.
No instante seguinte
estávamos nós dois correndo em direção à minha casa, tentando descobrir em todos
os cômodos se havia algo fora do normal. O porão estava terrivelmente
silencioso, muito além do normal. Descemos as escadas devagar porque algo
estava muito estranho ali, e foi quando os encontramos: centenas deles, todos
ao nosso redor, adormecidos, mas plenamente conscientes. Daleks e Cybermens,
outrora inimigos, mas unidos por um inimigo maior: eu. Eu represento um perigo
para estas raças, e, portanto devo ser eliminada, ou na linguagem deles
exterminada (dalek) ou deletada (cybermen).
- Doutor, por que eles
estão assim?
- Eu não sei. – disse
ele sussurrando.
- Se eles estão
adormecidos, então por que são ameaça? – falei sussurrando.
- Eu não sei!
- Doutor! Sério?
Ele já havia dado a
volta pelo porão, silencioso e discreto. Tentei a mesma proeza, mas meu pé
encostou em um dalek. O doutor se pôs na minha frente, para me proteger, mas
todos os outros acordaram ao mesmo tempo, nos cercando. Todos eles falavam ao
mesmo tempo, agitados por terem sido acordados de surpresa. Mesmo com o Doutor
apontando sua chave para todos eles, o medo me dominou. Me escondi atrás dele,
mas era impossível se esconder.
- Doutor, você é o
Doutor! Você será exterminado, você e toda a sua raça! – disseram os daleks em
uníssono.
- Sempre a mesma coisa,
vocês nunca se cansam disso? Vocês sempre tentam me matar, e eu sempre derroto
vocês. Além do mais, vocês sabem que eu sou o último da minha espécie.
- Não é mais, nós
sabemos da existência de mais um membro da sua família aqui na Terra. Você acha
que está protegendo ela, mas nós a seguimos por tempo suficiente para saber sua
verdadeira origem e que está indefesa, pois está sem memória.
Baixinho para que eles
não ouvissem, sussurrei para o Doutor:
- Doutor, você tem
alguma ideia?
- Não!
- Eu tive uma ideia. Já
que eu não sou uma Timelady, há uma chance de eu ter poderes.
- O que quer dizer com
isso?
- O Mestre tinha
poderes, outros gallifreyanos também tinham poderes, pelo visto você é o único
que conta apenas com uma máquina do tempo e uma chave de fenda sônica em seu
arsenal. Pode ser que eu tenha a sorte de ter alguma carta na manga.
- Não precisa humilhar,
mas como você espera recuperar a memória e os seus “supostos” poderes?
- Regeneração. Como
tenho dois corações, se um raio dos Daleks me atingir, eu “morro” e retorno em
outro corpo, com as lembranças de Gallifrey e os poderes. Dai eu e você juntos
derrotamos os Daleks e os Cybermens e salvamos o mundo, depois saímos para comemorar
dando uma volta na TARDIS. Viu só, pensei em tudo!
- Nem pensar! Eu não
posso concordar com isso! E se a força que a atingir for tão forte que você não
consiga se regenerar? E se eu estiver enganado e você não for como eu? E se nem
tiver poderes? Há outros meios de recuperar sua memória, eu só não consigo
pensar em nada com todos eles apontando suas armas para nós. Mas eu não
deixarei você se jogar para a morte, não posso arriscar.
- Ah, Doutor, é o
melhor plano que temos até agora, e além do mais, eu quero me arriscar. Posso
até estar com medo, mas estou achando tudo isso uma tremenda aventura. Enquanto
eles atacarem, você aproveita para vasculhar a nave e descobrir algo que possa
derrotá-los.
- Não, eu não vou
deixar, você não pode...
Mas já era tarde para
ele, pois eu avancei em direção ao inimigo, mesmo com medo eu estava ansiosa
para ter certeza de que realmente fazia parte daquele mundo, de que aquilo era
real. Eu mal senti o ataque, apenas fechei meus olhos ao ouvir a voz rouca do
Dalek ao enunciar sua sentença de morte:
- Exterminar!
- Não!!!!!!!! – foi a
última coisa que eu ouvi, o som da voz do Doutor, desesperado ao ver me ir em
direção a morte certa. Mais uma vez, assim como acontecera com o Mestre, um
Gallifreyano estava partindo diante de seus olhos e ele não conseguira fazer
nada para impedir.
O processo de
regeneração deve demorar um pouco mais do que o esperado, pois eu me sentia
morrendo, o corpo todo doído, mas ao mesmo tempo havia algo reagindo dentro de
mim, algo que me deixou sem forças. Eu não conseguia me mexer, nem falar, mas
estava vendo e ouvindo tudo ao meu redor.
O Doutor estava com
raiva, ele realmente achou que eu estava morta. Eu queria avisar que estava
tudo bem comigo (quase bem), que estava viva e que meu plano tinha dado certo,
mas só me restava observar o que estava acontecendo.
- Estão satisfeitos
agora? Ela era só uma humana, alguém que queria viver aventuras, ver todos os
lugares no tempo e espaço, e vocês destruíram isso, por nada! Por nada! Eu
devia acabar logo com vocês, mas darei a chance de irem embora.
- Não iremos! – falou o
líder dos cybermen. Viemos para acabar com este planeta, a garota foi só a
primeira de muitos. Com a eliminação dela, será mais fácil partir para o resto
da humanidade.
- Terão que passar por
mim, e vocês já tentaram antes e sabem o que acontece, eu sempre os derroto. E
sempre é mais simples do que parece. Querem me testar agora?
- Daleks não fazem
jogos, Daleks agem. Nós não nos importamos com o que sente.
- E nós, os cybermen,
fomos construídos como máquinas, e não temos nenhum tipo de emoção, sua dor
pela humana não nos compadece.
- Não preciso que se
compadeçam de mim, só preciso que saiam deste planeta, deste universo enquanto
eu ainda estou tolerante.
- Seu tempo acabou. Nós
acabaremos com tudo agora, e isso inclui você, Doutor. Você será exterminado!
No exato momento do
raio exterminador, o Doutor sacou sua chave de fenda sônica, mas algo foi mais
rápido do que ele e os daleks: uma luz forte vinda de todo o meu corpo e
saltava como faíscas pelos meus dedos. Conforme eu pensei, estava me
regenerando, e os raios estavam atingindo a todos ao meu redor. Era estranho e
excepcional ver os daleks e cybermen com medo, e o Doutor estava surpreso,
tanto que foi pego desprevenido repetindo o tempo todo: “what?”.
- Se abaixa! Eu não
consigo controlar isso!
- What?
- Você já falou isso
antes. Me explica: eu estou regenerando, mas não mudei de forma, e não tenho o
controle sobre isso. O que está havendo com eles, estão brigando entre si? Vão
destruir meu porão.
Logo ao nosso lado, um
pandemônio se instaurara entre os daleks e Cybermens. O sistema se
descontrolara em todos eles, girando no mesmo lugar e falando coisa com coisa,
sem o menor controle de suas ações.
- Se abaixa! –
respondeu o Doutor desta vez. – demora um pouco mais para nos adaptarmos, e a
transformação não acontece exatamente na mesma hora, depende muito do impacto.
Minha última regeneração deu tempo de eu fazer uma “turnê de despedida”, mas a
anterior a mudança de rosto foi imediata, mas o organismo demorou mais de 24
horas para o meu organismo mudar por dentro.
- Entendi. Por isso eu
estou meio “elétrica”, e também quero fazer uma coisa louca. Quero ficar com
eles.
O Doutor parou e olhou
pra mim, incrédulo, e disse mais uma vez:
- What?
- Só um de cada, como
recordação, ou brinde, enfeite para pôr no meu quarto. Para eu saber que os
enfrentei junto com você e ajudei a derrotá-los.
- Elizabeth...
- Por favor... Eles são
vilões, tentaram nos matar e destruir o mundo, mas são fofinhos. Vai dizer que
nunca quis ter um dalek guardado em um dos cômodos da TARDIS?
- Eu... Nunca tinha
visto eles dessa maneira. Você é a primeira a achar eles bonitinhos, mas não
vai ser hoje que teremos daleks e Cybermens dentro da TARDIS.
Charme, uma tática que
eu ainda não havia tentado, e precisava consertar logo tudo isso antes que meus
pais chegassem. Infelizmente, trata-se de algo que eu não tenho, ou se tenho,
não sei usar. Mas a questão é que eu preciso deles, quem vai acreditar em mim
quando eu disser que estava com o Doutor?
- Tá, deixa pra lá, é
uma coisa meio louca mesmo. E eles não são mais tão bonitinhos assim quanto
antes, são assustadores, e estão com os motores quebrados, eu os quebrei porque
eles estavam sendo maus e iriam nos matar.
- É assim que se fala.
Agora vamos pensar em algo para arrumar esta bagunça antes que alguém descubra
o que aconteceu.
- Tem razão, e eu estou
brilhando, olhe meus dedos! Por que está tudo rodando? Acho que está começando,
eu estou estranha.
Mesmo me sentindo tonta,
me soltei dos braços do Doutor e tentei alcançar um dalek que aparentemente
estava morto, ou desligado, e não me lembro de muita coisa além dali, só sei
que estava tentando abraçar um deles e arranquei um de seus braços, quando dei
por mim, já estava nos braços do Doutor outra vez, quando olhei pra cima e vi
minha mãe no alto da escada, acenei e disse oi.
- O que está
acontecendo aqui? Que bagunça é essa no meu porão e o que você fez com minha
filha?
- Elizabeth, sua mãe
chegou.
Gemendo, me forcei a
abrir os olhos e observar os dois. Muito lentamente, me levantei e perguntei:
- Vou ficar assim por
mais de 24 horas?
- Em compensação, será
uma das mais fortes e espertas.
- Ela sempre foi forte
e esperta, mas meio maluquinha. Mas o que aconteceu com ela, doutor?
- What? – dessa vez foi
eu quem falei. Como sempre, eles fingiram que eu não estava lá.
- Por enquanto, a
recomendação é descanso, e não estranhe se ela ficar com uma nova aparência,
isso é normal para a idade. A senhora poderia me fazer um pouco de chá?
- Claro, só um
instante. – e com isso, mamãe se retirou do quarto.
- Entendi, você se
apresentou quando eu estava desmaiada.
- Você teve uma
emergência no porão com vários objetos empilhados, e ao invés de ligar para a
ambulância, preferiu chamar seu amigo médico, que poderia entrar no porão e
ajudar.
- O que eu vou dizer a
minha mãe quando eu me regenerar?
Na hora em que ela
entrou, aconteceu. Um sopro dourado saiu de meus lábios e todo o meu corpo
brilhou como um raio dourado. Mamãe começou a gritar, apavorada, e na verdade
não doeu nada. Quando acabou, olhei no espelho e admirei o resultado: pele
branca, sardas, cabelos longos e ruivos, com pontas enroladas. Nariz pequeno, lábios
finos e o corpo que eu sempre quis quando era adolescente. Sentia-me realmente
mais forte, além de muito bonita. Meu cérebro pensava muito rápido ao projetar
informações, e meu coração acelerava, e com emoção eu percebi que eram dois
corações palpitando em meu peito. Embora minha mãe tenha ficado muito
assustada, foi melhor assim, para ela entender o que realmente aconteceu e o
que está por vir. Expliquei a ela duas vezes, utilizei exemplos, e contei com a
ajuda do Doutor, mas a melhor maneira de fazê-la entender era levá-la até a
TARDIS.
- Essa é minha vida
agora, mãe. Espero que a senhora entenda. É a este lugar que eu sempre
pertenci. Não é um adeus, eu sempre voltarei pra te ver.
Embora ela estivesse
quase chorando, aceitou entrar na TARDIS e foi direto ao encontro do Doutor.
- Ela é sua garota
agora, cuide bem dela, pelo seu bem, não deixe que nada aconteça a ela, ou eu
não responderei pelas minhas ações.
- Pode deixar, cuidarei
dela, mas ela não é minha garota, quanto a isso não precisa se preocupar.
- Não sei, não. Vocês
dois sozinhos nessa cabine...
- Mãe, eu estou
ouvindo!
E esta foi a primeira
de muitas outras aventuras que nós dois tivemos juntos. Muitas delas eu
colecionei em um diário comprado em um planeta de uma das inúmeras galáxias que
visitamos, outras permanecem em meus pensamentos, mas haverá muitos outros
momentos a serem contados aqui. Embora eu nunca tenha vontade de voltar, é bom
saber que eu tenho um lugar para onde voltar quando eu quiser parar.
FIM
DO COMEÇO DAS AVENTURAS.
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